Caio F. não é de pedir licença
Caio Fernando Abreu é um sedutor. Sua escrita marca, sua escrita prende. Entre o documento e a ficção, ele cria e destrói mundos, cria e destrói sonhos. É um exímio contador de histórias. Histórias que, de tão esmiuçadas em detalhes, parecem reais. E são. Em “Os dragões não conhecem o paraíso”, livro de 1988, estão reunidas algumas daquelas que acabaram por se tornar das mais afamadas. Entre “Uma praiazinha de areia bem clara, ali, na Beira da Sanga” e “Mel & Girassóis (ao som de Nara Leão)”, o leitor vai encontrar uma tal de “Dama da Noite”. No conto, curtinho, em primeiríssima e singular pessoa, Caio criou um de seus tipos mais teatrais. O texto, que conduziu montagens importantes na história recente do teatro brasileiro, também ajudou a parir a Pane Produções Artísticas, de Garanhuns.
O diretor Antônio Pacheco Neto e o ator Marcelo Francisco, professor e aluno, se reencontram, já com a sala de aula apenas na memória, e constroem, juntos, um percurso de empenho e dedicação ao teatro. “A dama da noite”, espetáculo que inaugura a companhia, está em cena há 20 anos e, de tão azeitado no cotidiano criativo do coletivo, abriu espaço para o projeto de uma trilogia. A relação da Pane Produções Artísticas com Caio F., assim, iniciada lá atrás, deve se estender num perder de vistas. Pacheco Neto e Marcelo Francisco, com isso, revelam sua devoção ao autor e a sua obra, o que explica muito daquilo que conseguem entregar ao público. Em “A dama da noite”, eles se apresentam como conhecedores dedicados das tramas e tipos criados por Caio Fernando Abreu e isso acaba por se traduzir, em cena, num respeito e controle excessivos.
É certo que “A dama da noite” da Pane Produções Artísticas não poderia ser outra, que não a “Dama da Noite” de “Os dragões não conhecem o paraíso”. A história é um só. A questão é que a referência, por fim, se revela algo que asfixia e, não, que liberta. Antônio Pacheco Neto e Marcelo Francisco trabalham, na maior parte do tempo, tendo Caio Fernando Abreu como um limite, como uma fronteira. A montagem, no entanto, vaza, transborda, não respeita barreiras. A maravilhosa puta velha que Caio F. fabula para censurar um mundo que se especializou em censurar tem uma força nas páginas que é ímpar. Para ganhar os palcos, porém, ela cobra um tanto mais de ousadia. O texto toca em opressões que hoje se configuram de outras formas e, com isso, exige um outro tipo de elaboração no horizonte da encenação.
A carpintaria de “A dama da noite” engessa a performance de Marcelo Francisco. O espetáculo tem uma partitura muito estática, conduzida por pontos de luz muito frios. A atuação escorre por uma marcação muito sublinhada. Tudo tem um lugar muito específico, um tom muito específico, um movimento muito específico. “A dama da noite” da Pane Produções Artísticas parece presa, controlada. O figurino um tanto alegórico e o cenário mais realista embaralham entendimentos. Antônio Pacheco Neto lê Caio Fernando Abreu com um certo lirismo. Embora mantenha a literalidade do texto muito presente, com uma ou outra citação para tornar a narrativa “contemporânea”, a direção conduz o olhar do espectador mais para uma dimensão de fantasia, de embriaguez, de alucinação. Caio F. é mais bruto. Pacheco Neto, mais delicado.
Enquanto o conto é mais direto, mais áspero, a versão da Pane Produções Artísticas é mais sensível, mais subjetiva. O drama de Caio Fernando Abreu expõe um lugar, um tipo e um recorte de conflitos particular, já a peça de Antônio Pacheco Neto e Marcelo Francisco parece borrar aquilo que a referência assume com rigor e precisão. De todo modo, é Caio F. quem detém as rédeas do espetáculo. O texto e o autor são os maiores pontos de destaque, muito embora seja forçoso reconhecer que Marcelo Francisco tem repertório para superar essas amarras. “A dama da noite”, por vezes, consegue, sim, ser elogioso sem ser obediente. Caio Fernando Abreu merece e até instiga algo mais subversivo. Antônio Pacheco Neto e Marcelo Francisco poderiam muito bem sair do campo da leitura de uma obra e enveredar mais pela composição de uma obra outra, uma cópia que não é cópia porque não quer ocupar o mesmo lugar da original.
Em cartaz há 20 longos anos, “A dama da noite” da Pane Produções Artísticas, porém, não é algo mais da ordem da experiência, da dúvida. Ali, Pacheco Neto e Marcelo Francisco compartilham suas convicções. O espetáculo é a síntese do teatro que eles acreditam. Da plateia, o que se vê, no entanto, são possibilidades de criação que demonstram consistências muito específicas. “A dama da noite” se coloca como mais autoral e vibrante quando aposta na música, quando flerta com a performance, acentuando o corpo do ator em cena, ao tempo em que perde intensidade em sequências presas demais ao texto, revelando quase um exercício de retórica, amparadas num conjunto de recursos cênicos muito precários. É um espetáculo honesto em suas limitações. Pena que Marcelo Francisco só explode na taça arremessada ao chão no minuto final.
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