No sonho frenético e intenso da Buia Teatro Company, não há lugar para maus pensamentos
Há determinadas pressões e cobranças no contexto do chamado teatro para as infâncias, no mínimo, equivocadas. Com frequência, artistas são provocados com frases como: que mensagem seu espetáculo deixa para as crianças? Ou ainda: sua montagem consegue mesmo prender a atenção da plateia? Fala-se isso e outros tantos absurdos como se os teatros para públicos outros, para além dos miúdos, estivesse liberado formalmente de um enfrentamento coerente dos temas que põe em evidência ou ainda que as encenações se organizassem sem que o espectador fosse uma preocupação de primeira ordem. Embora indevidas, as demandas externas sobre as peças infantis acabam por conduzir suas realizações para um outro lugar.
“Cabelos Arrepiados”, espetáculo da Buia Teatro Company, de Manaus, é uma dessas experiências que, de tão zelosa para cumprir à risca a lista de exigências para se rotular como “infantil”, acaba por surpreender também o olhar dos mais velhos. Com texto de Karen Acioly e direção de Tércio Silva, o espetáculo é uma soma de referências as mais variadas. Tem música, tem animação, tem manipulação de bonecos, tem drama, tem comédia, tem mágica. É uma colagem de performances múltiplas com um apelo visual preciso e facilmente absorvido. “Cabelos Arrepiados” faz uma apropriação muito clara do universo imagético do cinema de Tim Burton. Há uma esquesitice delicada no perfil e nos traços dos tipos que apresenta que lembra filmes como “Edward – Mãos de Tesoura”, “A Noiva Cadáver” e “Frankenweenie”, por exemplo.
É um trabalho que se desdobra com recursos de várias linguagens, que funciona pelo excesso. É uma overdose de criatividade e recursos, apesar de o trabalho ser temporalmente enxuto, cerca de 50 minutos. De todo modo, é preciso reconhecer que Maria Hagge, Magda Loiana, Jeferson Mariano, Roque Baroque e Dimas Mendonça transitam e misturam esses códigos tão absurdamente variados com grande habilidade e, quase sempre, com equilíbrio. Ficando apenas no recorte do teatro musical, a peça se apresenta como uma opereta, merece destaque o fato de “Cabelos Arrepiados” não realçar tensões recorrentes ligadas às figuras irregulares do “ator que canta” ou do “cantor que atua”. O correr das cenas e os números musicais são intercalados com muita harmonia e competência. O espetáculo é fluido e mantém o ritmo sem grandes oscilações.
Em cena, o elenco se divide – se multiplica, justiça seja feita – para contar a história – as histórias, melhor dizendo – de Tico, Cora, Flora e Dora, Clara e Ciro. Crianças de tempos e mundos particulares, eles se aproximam na medida em que são todos meninos “estranhos”, além de compartilharem o drama de que não conseguem dormir. “Cabelos Arrepiados” organiza sua encenação em torno do curioso tema da privação do sono entre os pequenos e enfrenta essa questão com muita poesia. Para a Buia Teatro Company, crianças que não dormem são crianças que tiveram seus sonhos roubados, objetiva e subjetivamente falando. A companhia encontra soluções muito felizes para compor uma dramaturgia que conduz a resolução dos pequenos atos de forma afirmativa. Mesmo quando enfrenta aspectos mais áridos que impactam o bem dormir, o desfecho é positivo. Ao final, o sono vem e todos dormem com tranquilidade.
Tico, Cora, Flora e Dora, Clara e Ciro são tão diferentes quanto comuns e, embora alegóricos, despertam grande intimidade. Não há quem não se identifique com alguma das características que eles realçam. Em atividade desde 2015, a Buia Teatro Company deixa claro em “Cabelos Arrepiados” que se guia por uma continuidade de pesquisa e trabalho. O encontro com o público infantil não é algo acidental para o coletivo, é uma constante, e isso se coloca de forma muito evidente na maturidade das escolhas. Há de ter uma lógica para a construção de cenas mais complexas em suas partituras que em suas temáticas. Em “Cabelos Arrepiados”, tudo o que é dito presa por uma economia de articulações e sugestões, enquanto o modo de apresentação dessas questões percorre um caminho inverso. A performance cênica da Buia Teatro Company é visualmente intensa, superlativa, beirando a exaustão.
Com um palco que gira, figurinos e maquiagens ricos em detalhes, desenho de luz muito presente, trechos musicados variados, “Cabelos Arrepiados” é um turbilhão de informações. Fica fácil entender a concentração da plateia, diante de uma obra tão intensa. Não há pausa para um desvio do olhar, é surpresa atrás de surpresa do início ao fim. Esse espetáculo funciona e encanta, sim. Entretanto, a qualidade dos atores é tamanha e a abordagem do tema central tão sensível que a peça funcionaria, sem prejuízos, de cara lavada e sem tanta parafernália. “Cabelos Arrepiados” é uma, rasgando elogios ao cinema de Tim Burton, mas não se perderia, caso se apresentasse meio que como ensaio de banda de garagem. Por baixo de tantas sobreposições de recursos, a Buia Teatro Company tem uma poética particular que também merece ser vista.
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